Reorganizando o jogo para 2022

 

Caio Marcondes Ribeiro Barbosa

 

Até o início de 2021, uma grande questão era sobre quem poderia derrotar Jair Bolsonaro (sem partido) na eleição presidencial de 2021. O nome então provável do PT, Fernando Haddad, não pontuava nas pesquisas de opinião de forma muito diferente de outros candidatos que eram considerados como uma “terceira via”, como Ciro Gomes (PDT), João Dória (PSDB), e até nomes como o ex-juiz e ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, Sergio Moro (sem partido), ou do entretenimento, como Luciano Huck (sem partido). Contudo, a decisão do Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para os processos pelos quais foi condenado o ex-presidente Lula mudou completamente o jogo. Lula (PT) tornou-se, assim, elegível para o próximo pleito, o que o torna a principal figura de oposição ao atual governo em 2021.


Depois de ter sido impedido de concorrer em 2018 devido a sua condenação em segunda instância, não havia a expectativa de que Lula pudesse reverter a sua condição até 2022. Com a decisão do Min. Fachin, o oposto se tornou realidade: agora é muito difícil que consigam tornar Lula inelegível novamente. Faltando apenas um ano e meio para a próxima eleição, é extremamente improvável, dados os ritos processuais, que o caso de Lula, agora enviado à Seção Judiciária do Distrito Federal, caminhe celeremente o bastante para que ele seja condenado em segunda instância novamente até lá.


Assim, a (re)entrada de Lula bagunça completamente o jogo eleitoral para 2022. Em primeiro lugar, os que esperavam romper uma polarização Bolsonaro x PT ficarão decepcionados. Dificilmente algum outro nome tomará o lugar de Bolsonaro como o principal nome da direita em 2022 (salvo se ocorrer um processo de impeachment no caminho) assim como não há possibilidade de outro nome da esquerda poder tomar o lugar de Lula na disputa (a não ser que ele não o queira). As próximas pesquisas de opinião já devem demonstrar que a disputa ficará mesmo entre esses dois na vontade do eleitorado. Portanto, ficam muito reduzidas as chances de uma terceira via.


Ao mesmo tempo, o campo de candidatos pode se reduzir. Figuras como o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), e Guilherme Boulos (PSOL), considerados possíveis candidatos à presidência em 2022, poderiam retirar suas candidaturas para evitar concorrer com Lula. No campo da direita, por outro lado, setores da direita lavajatista que estariam decepcionados com Bolsonaro podem se ver “obrigados” a repetir o apoio a Bolsonaro, dada a contínua aversão ao PT.


Apesar de alguns bolsonaristas enxergarem com bons olhos a polarização entre Bolsonaro e Lula, é verdade que o caminho para a reeleição do atual presidente se tornou mais espinhoso. Após a decisão do Min. Fachin, sua aparição pública utilizando máscara e fazendo defesa das vacinas revela uma tentativa de mudar o discurso e soar mais moderado. Dado o momento, não parece mera coincidência.


Dúvidas surgem também com relação ao posicionamento de partidos do chamado “Centrão”. Esses partidos, que costumam barganhar apoio com quem está no poder, independentemente de quem seja, gostam de apostar em candidatos vencedores. Se Lula se posicionar como forte candidato para derrotar Bolsonaro – e isso deve ocorrer – muitos partidos podem questionar a longevidade de sua aliança com o atual governo.


Mesmo o mercado, que tinha entusiasmo com o Ministro da Economia Paulo Guedes, pode questionar o seu apoio. Dada a decepção com a lentidão do governo para realizar reformas defendidas pelo mercado e com intervenções de Bolsonaro no comando da Petrobras, a opção Lula pode não parecer tão ameaçadora. Depois do discurso de Lula no dia 10 de março, o dólar apresentou forte queda e a bolsa subiu, em um possível sinal de alívio com a fala moderada do ex-presidente.


A grande questão agora é quem pode ganhar a disputa entre os dois. Apesar de Bolsonaro ter perdido muito apoio entre as classes mais altas devido à condução do país durante a pandemia de covid-19 e ao rompimento com Sergio Moro, essa perda foi compensada pelo apoio conquistado pela distribuição do auxílio emergencial. Embora a sua suspensão em 2021 tenha causado a queda desse apoio, a sua reedição para os próximos meses pode estancar a sangria. Por outro lado, Lula, que saiu da presidência com índices altíssimos de popularidade, teve sua imagem abalada com a sua condenação e prisão. Resta saber o quanto de apoio ele consegue reconquistar de ex-petistas desiludidos agora que teve suas condenações anuladas.


O que é certo é que a disputa se dará principalmente entre as classes mais pobres. Muitos desses eleitores que votaram em Bolsonaro em 2018 teriam votado em Lula se fosse ele o candidato em vez em Haddad. Ainda tem muito chão para 2022, e muito pode mudar sobre a avaliação do governo até lá. Mas tudo indica que já sabemos quem serão os protagonistas.

 

Caio Marcondes Ribeiro Barbosa é doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo