Uma análise desde o Sul Global sobre a tentativa de golpe nos EUA

 

​​​​​​​Hugo Fanton

Pós-doutorando no Departamento de Ciência Política da USP e pesquisador do Cenedic. Atualmente, realiza estágio na Universidade de Freiburg, Alemanha.

Em 6 de janeiro, o mundo ficou atônito com um acontecimento sem precedentes na história recente das democracias liberais: uma tentativa de golpe conduzida pelo presidente dos Estados Unidos no centro do capitalismo. Muitas análises expressaram surpresa e estupefação com o ocorrido, utilizando para isso inclusive referências preconceituosas a países do Sul Global. A potência hegemônica estaria vivenciando algo típico de “Repúblicas das Bananas”. Minha intenção neste artigo não é explorar as contradições em tais comparações, dada a participação direta dos Estados Unidos em Golpes de Estado nos países da América Latina, algo evidenciado, para dar apenas um exemplo recente, pelo papel cumprido pela Organização dos Estados Americanos (OEA) no golpe contra Evo Morales na Bolívia em 2019. Pretendo ir além, por entender que o acontecimento deste início de ano em Washington expressa um novo momento histórico do capitalismo. A insurreição antidemocrática nos EUA, com características neofacistas, evidencia a profunda crise por que passam as democracias liberais, e esta crise está relacionada com um novo padrão de acumulação, que subordina também os Estados Nacionais do centro do capitalismo, em uma dinâmica de generalização da dependência.

Para desenvolver esse argumento, apresento este artigo em três partes. Na primeira delas, exponho brevemente qual noção de dependência mobilizarei para analisar a contemporaneidade, ressaltando as diferenças conceituais entre as relações de “dependência”, “desenvolvimento” e centro-periferia. Na sequência, apresento uma leitura particular da obra recente de Wolfgang Streeck, por entender que a partir dela é possível debater, em âmbito europeu, a dinâmica atual da dependência, que agora se manifesta mais explicitamente nos EUA. Na terceira e última parte, a partir do que considero um erro de diagnóstico de Streeck, buscarei, enfim, definir a crise política dos EUA como consequência das relações de dependência no centro do capitalismo.

1 - Capitalismo, crise e dependência

Há uma contradição intrínseca à afirmação de que o centro do capitalismo está se tornando dependente, e iniciarei a argumentação buscando superá-la. Para isso, é fundamental diferenciar a noção de dependência das relações de hegemonia entre Estados nacionais, que seguem presentes na forma centro-periferia, assim como dos distintos graus de diferenciação dos sistemas produtivos que derivam da divisão internacional do trabalho, também presente na contemporaneidade.

A teoria da dependência emergiu no Sul Global a partir da reflexão sobre as especificidades de nossa inserção no capitalismo e no processo histórico de internacionalização do mercado. A proposta de construir uma “análise integrada do desenvolvimento” buscava superar a visão dicotômica corrente nos anos 1950-60, que contrapunha países de acordo com o grau de evolução de suas forças produtivas, em uma reprodução em nível macroeconômico e do Estado-Nação da concorrência que define as disputas das empresas no mercado. Como afirmam Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto em “Dependência e Desenvolvimento na América Latina”, é preciso analisar as variações no modo de relacionamento dos países periféricos com os do centro do capitalismo, pois distintos modos conformavam “teias de relações políticas e de interesse” que, unindo economias ditas “desenvolvidas” e “subdesenvolvidas” em uma dinâmica política, moldavam os diferentes padrões de vida política e social de cada país.

Nas palavras de Roberto Schwarz e Francisco de Oliveira, a dependência tem sua expressão na forma de “evolução truncada” que melhor define nosso desenvolvimento econômico, ou seja, um processo de acumulação que ao mesmo tempo reproduz o que há de “moderno” em termos de extração de mais-valor, circulação e padrão de consumo, mas ao mesmo tempo mantém o “arcaico” da integração social fundada na exclusão da maior parte das classes trabalhadoras das relações produtivas. É por esse matiz que devemos ler, em Cardoso e Faletto, a noção de “desenvolvimento dependente-associado” entre países de centro e periferia: são processos complementares em uma dinâmica de acumulação capitalista em esfera global.

Por isso, Cardoso e Faletto distinguem as noções de país periférico, país subdesenvolvido e dependência. Ao contrário de outros importantes autores da Teoria da Dependência, ambos não estabelecem um vínculo intrínseco entre dependência e imperialismo, entre os padrões econômicos, políticos e sociais dos países periféricos e os interesses dos países dominantes, de cujas relações decorreriam distintos “graus de dependência”. Isso não significa que o imperialismo e o subdesenvolvimento não existam, mas que a relação de dependência define um tipo específico de organização do sistema político, econômico e social. A “análise integrada do desenvolvimento”, na busca por superar o dualismo entre as sociedades “tradicionais” e “modernas”, conduz um duplo esforço de considerar as condições históricas particulares a cada processo de desenvolvimento, nos planos nacional e internacional. Cabe ao analista “compreender, nas situações estruturais dadas, os objetivos e interesses que dão sentido” aos conflitos entre distintos grupos de interesse e classes sociais (Cardoso e Faletto, 1979). O “externo” é, nessa perspectiva, um modo particular de relação entre grupos e classes sociais de dada nação, e a dependência é um conceito que define tal relação.

Nas relações de dependência, pelo processo político, uma classe social ou grupo econômico dominante estabelece um “sistema de relações sociais” que impõe ao conjunto do corpo social um padrão de acumulação. Disso decorre a necessidade de se estudar as conexões entre sistema econômico e organização político-social. Ainda que a situação de subdesenvolvimento na periferia do sistema capitalista expresse uma forma de dominação própria que decorre, por exemplo, da divisão internacional do trabalho, a situação de dependência não se reduz a esse tipo específico de relação, mas pode estar presente em contextos com diferentes graus de desenvolvimento das forças produtivas. Em suma, a noção de subdesenvolvimento define o “grau de diferenciação do sistema produtivo”; as concepções de “centro” e periferia”, por sua vez, distinguem as “funções que cabem às economias” no mercado global, que decorrem não apenas do processo econômico, mas das relações internacionais de hegemonia e do imperialismo; e a noção de dependência “alude diretamente às condições de existência e funcionamento do sistema econômico e do sistema político, mostrando a vinculação entre ambos, tanto no que se refere ao plano interno dos países como ao externo” (Cardoso e Faletto, 1979).

Com base nisso, entendo eu, é possível afirmar que um Estado-nação do centro do capitalismo, imperialista, e com alto grau de diferenciação de seu sistema produtivo pode se tornar dependente em dado momento histórico. É exatamente isso que está acontecendo na fase neoliberal do capitalismo: há uma generalização da dependência dos Estados Nacionais em relação a um grupo econômico dominante e transnacional que estabelece um sistema próprio de relações sociais externas e internamente em cada país. Refiro-me aqui ao mercado financeiro enquanto agente, e à financeirização das economias e das sociedades como forma predominante de relação de dependência.

Novamente, ressalto que é preciso diferenciar os modos particulares de relação entre grupos e classes sociais em cada nação, pois variam os sistemas de organização política, econômica e social de acordo com as condições históricas particulares dos processos de desenvolvimento. Na periferia do capitalismo, o mercado financeiro encontra situações estruturais mais favoráveis para organização da dependência, inclusive por ter como aliados os Estados nacionais do centro do capitalismo na conformação de relações de tipo imperialista. Mas a novidade histórica neoliberal é a progressiva subordinação, também do centro, aos interesses de uma força supranacional que estabelece um sistema próprio de organização social, orientado pelo padrão financeirizado de acumulação capitalista. 

2 - A dinâmica contemporânea da dependência

A situação que busco definir aqui não é nova e já está bem descrita em obras reconhecidas internacionalmente. Cito uma delas: Buying Time, de Wolfgang Streeck, que aborda os “limites estruturais do capitalismo democrático”. O autor mostra como a “Revolução neoliberal” das últimas quatro décadas produziu um processo de “desdemocratização do capitalismo por meio da deseconomização da democracia”. A crise de 2008 é por ele definida como etapa de uma sequência de crises de acumulação iniciada nos anos 1970 e que tiveram soluções apenas parciais, por mecanismos financeiros de “compra de tempo”: a inflação, o endividamento estatal e o endividamento privado. Trata-se de soluções parciais por apenas adiarem momentaneamente os efeitos mais imediatos das crises de acumulação, o que é evidenciado pelo fato de, no mesmo período, o ritmo crescimento econômico dos países capitalistas centrais ter retrocedido e a desigualdade da distribuição de renda aumentado, além da elevação do endividamento geral.

As formas políticas de condução da compra de tempo evoluíram paralelamente, com o “Estado fiscal” dos anos 1970 tornando-se “Estado endividado” nos anos 1980-2000 e, finalmente, sua transformação contemporânea para “Estado de Consolidação”. A forma social de dominação igualmente evoluiu: houve um contínuo deslocamento da arena do conflito de classes para cima, do mercado de trabalho para o Estado de bem-estar social, em seguida para o mercado de capitais, até mover-se para a “área sigilosa” dos bancos centrais e da diplomacia financeira internacional. Assim, os espaços de deliberação e de ação pública se tornam cada vez mais abstratos, e desconsideram as condições de vida e os interesses do corpo social na tomada de decisão (Streeck, 2013).

Entendo que essa descrição elaborada por Streeck acerca da dinâmica política, econômica e social do capitalismo na Europa expõe um modo particular de relação entre grupos e classes sociais. Esse modo particular reproduz a dinâmica da dependência na medida em que, progressivamente, a União Europeia promoveu a liberalização do capitalismo europeu. Por diferentes mecanismos supranacionais, houve uma dinâmica permanente de condicionamento, pelo mercado, da organização macroeconômica dos Estados nacionais, em direção contrária aos interesses dos grupos sociais que conformam as relações internas a cada país. A “distorção democrática”, afirma o autor, se opera por políticas de disciplinamento orçamental e pelos acordos e quadros regulamentares supranacionais, com uma “neutralização da política interna dos Estados nacionais”, limitando sua soberania.

A dinâmica de desenvolvimento-subdesenvolvimento também está aqui presente e correlacionada com a da dependência, na medida em que os países com menor grau de diferenciação de seus sistemas produtivos são levados a desmontar o que lhes resta de proteção social e direito laboral. Com isso, buscam melhorar sua posição na concorrência interna entre mercados que, a despeito disso, não se modifica, pois está relacionada com a dinâmica geral de funcionamento do capitalismo na sua atual fase de acumulação, e condicionada por um sistema político supranacional. Como descobrimos já nos anos 1960 na periferia, o “externo” impõe limites estruturais a projetos nacionais de hegemonia, e nas situações-limite em que as burguesias internas por hora tentem arriscar um passo adiante, são imediatamente “obrigadas a voltar atrás, recuando um pouco no presente para não perder tudo no futuro” (Cardoso, 1972) [já vimos isso na Grécia e talvez estejamos assistindo o mesmo na Inglaterra pós-Brexit].

No momento atual, a conformação do Estado de Consolidação acontece, nas palavras de Streeck, “sem anestesia”, ou seja, sem as formas de compensação decorrentes do processo de compra de tempo que davam legitimidade social à condução macroeconômica. É justamente isso que nos leva a uma dupla crise: da forma política democrático-liberal do capitalismo do pós-guerra, e do próprio capitalismo em si enquanto processo de acumulação. Com a concentração dos espaços deliberativos em esferas cada vez mais privadas, e a diminuição das possibilidades de resposta estatal às demandas sociais, a lógica de mercado se generaliza e se impõe sobre todas as esferas da vida. Ou seja, se recorremos à noção de “externo” em Cardoso e Faletto como um modo particular de relação entre grupos e classes sociais, e à dependência como o processo político em que uma classe social hegemônica estabelece um “sistema de relações” ao conjunto do corpo social, podemos afirmar que a reformulação do sistema estatal europeu é expressão regional da relação de dependência na fase neoliberal de seu processo de acumulação.

Também a noção de crise do capitalismo em Streeck, de certo modo, traz implícita tal dinâmica. Aqui me refiro a escrito posterior e igualmente conhecido, How Will Capitalism End. Em uma argumentação, a meu ver, apoiada mais em Karl Polanyi que em Gramsci, o sociólogo alemão mobiliza a ideia de interregno para afirmar que o capitalismo está morrendo – em um processo que pode ser bastante demorado -, justamente por não encontrar na esfera social uma força que lhe contenha. A incapacidade de resistência da sociedade possibilita que o mercado avance sobre todas as esferas da vida, e a ausência de obstáculos levará a uma completa desintegração social e destruição da natureza que, no limite, põe fim ao próprio capitalismo. Estaríamos vivendo, na visão de Streeck, esse contexto: o capitalismo alcançou tamanha hegemonia que não há força capaz de lhe conter. O interregno expressa, como sabemos pela sua clássica definição, esse momento histórico em que o velho ainda não morreu e o novo não pode nascer.

Para fundamentar seu argumento, Streeck afirma que o capitalismo está submetido a oito problemas insolúveis, aqui resumidos: crescimento declinante; aumento da desigualdade; impossibilidade de gerenciamento macroeconômico; suspensão da democracia e consequente ascensão de uma oligarquia; capacidade diminuída de impor limites à mercantilização do trabalho, da natureza e do dinheiro; corrupção onipresente; erosão das infraestruturas públicas e dos benefícios coletivos pela mercantilização e privatização; e o fracasso dos EUA em construir uma ordem global estável pós-1989 (Streeck, 2016).

No meu entender, tais “problemas insolúveis” do capitalismo em Streeck são, na verdade, expressões de problemas crônicos de economias dependentes, e como bem sabemos os que vivem sob tais condições, não há morte para os de cima, somente para os de baixo. Desse modo, a meu ver, são dois os erros de Streeck, e a reflexão acerca deles nos traz para a situação atual dos EUA e a argumentação final deste artigo. O que Streeck supõe como fundamentos da crise do capitalismo são, na realidade, sintomas da generalização da dinâmica da dependência decorrente da transnacionalização do processo de acumulação. Disso decorre o segundo erro: o problema europeu vai muito além da moeda comum e do controle da política monetária pelo Banco Central Europeu. A crise nos EUA evidencia justamente isso. Até mesmo o Estado-nação imperialista, que tem poderes para delimitar em escala global os parâmetros monetários e fiscais, está preso a uma dinâmica que reproduz internamente tais problemas crônicos, próprios da dependência do sistema político-social ao grupo hegemônico organizado em esfera supranacional, quais sejam, o mercado financeiro e as grandes corporações.

3 – A globalização da dependência

As situações dramáticas que testemunhamos ao longo desses quatro anos de ascensão e (talvez) de queda do trumpismo são demonstrações da argumentação que desenvolvi acima. A despeito de sua retórica nacionalista, Donald Trump, em linhas gerais, deu continuidade à “liberalização hayekiana” iniciada nos anos 1980 com Ronald Reagan. Assim como na União Europeia analisada por Streeck, o Estado de Consolidação nos EUA é conformado por reduções de despesa que atingem os dependentes de serviços públicos, e reduções de arrecadação por cortes de impostos sobre os mais ricos, as corporações e as transações financeiras. Conjugado a isso houve aumento crescente das diferenças de salário e renda e da desigualdade social, com decorrente estímulo econômico e ideológico às classes trabalhadoras para encontrar na concorrência no mercado uma forma de integração social. Há ainda o crescente comprometimento do total dos recursos arrecadados pelo Estado com o arrolamento dos serviços da dívida pública, que cresce ininterruptamente e leva a uma crise estrutural do sistema de seguridade social.

E para piorar, apesar da torcida mundo afora pela vitória de Joe Biden, ninguém de fato acredita que seu governo produzirá resultados diferentes. E não digo isso somente apoiado na conhecida estima do presidente eleito por Wall Street, mas por entender que tal dinâmica expressa problemas mais profundos, relacionados às relações de dependência dos Estados Nacionais, agora globalizadas. A similitude entre o drama europeu, o drama estadunidense, o nosso drama histórico na América Latina e em outros países do Sul Global expõe o atual padrão de funcionamento do sistema econômico-político nos planos externo e interno de cada país. As distintas situações internas, como já falado, obviamente variam de acordo com o grau de diferenciação dos sistemas produtivos e sua posição na divisão internacional do trabalho, e isso torna ainda mais abissais as diferenças entre centro e periferia em termos de padrões de seguridade social e desenvolvimento, bem como em termos de consequências econômicas, políticas e sociais da transnacionalização da dependência (esse tema merece um artigo específico, focado no Brasil).

A insurreição neofascista em Washington e a tentativa golpista liderada por Trump, adotando o mesmo modus operandi do Departamento de Estado dos EUA em diferentes regiões do mundo, são novos sintomas dos problemas crônicos aludidos acima. Trata-se, em termos gramiscianos, de uma “crise de autoridade” que deve se aprofundar nos próximos meses e anos, com perda ainda mais intensa de consenso nas relações políticas, e decorrente imposição da vontade das classes dominantes por “pura força coercitiva”. Assim como no fascismo clássico, o movimento de massas trabalhadoras empobrecidas e pequeno burguês liderado por Trump surge de uma crise de hegemonia, em que as classes dominantes daquele Estado Nação buscam se reorganizar, sob nova forma política e ideológica, como classe dirigente. Com Trump, a exceção tenta se impor como regra na tentativa de restauração de uma ordem que tenha a exclusão (e até mesmo na eliminação física de quem for considerado inimigo) como padrão vigente de (des)integração social. Talvez estejamos assistindo nascer o neofascismo como forma política da globalização da dependência, e justamente por isso não são movimentos isolados, mas estão internacionalmente organizados.

Disso decorre uma crise permanente, que trará muitos desafios às classes trabalhadoras não só dos EUA, mas de todo o mundo. A dependência se tornou um padrão de interação econômica, política e social, está generalizada, e promove o lucro e a concorrência como princípios da ação e da vida humana. É nova forma de “laissez-faire planejado”, em que o mercado livre se opera pelo “incremento de um intervencionismo contínuo, controlado e organizado de forma centralizada”, agora supranacional. Em uma apenas aparente contradição, o mercado que se autorregula avança na regulação de tudo a sua volta. “Assim como, contrariando as expectativas, a invenção da maquinaria que economizaria trabalho não diminuíra, mas, na verdade, aumentara a utilização do trabalho humano, a introdução dos mercados livres, longe de abolir a necessidade de controle, regulamentação e intervenção, incrementou enormemente o seu alcance” (Polanyi, 2000). Quem cultua de forma permanente o Estado enquanto ausência promove sua presença por mecanismos de controle irrestrito: cabe à tecnocracia e a novas instituições transnacionais apartadas de qualquer intervenção democrática garantir a expansão ininterrupta do mercado sobre a vida. À expropriação econômica e política “não há alternativa”, restando-nos apenas torcer pela chegada de algum outro Deus, provavelmente ex machina..., que se contraponha a isso.

Por isso, creio eu, as atuais conjunturas de países como Brasil e EUA se completam. Trata-se de um processo de desenvolvimento cada vez mais dependente e, ao mesmo tempo, cada vez mais integrado. Recorro aqui novamente a Francisco de Oliveira e a nossa “exceção permanente”, em um dia a dia de expansão desenfreada do mercado que submete a todos os Estados Nacionais à sua dependência. O que era próprio do “subdesenvolvimento”, do “terceiro mundo”, das “Repúblicas das Bananas” têm-se generalizado, e a exceção sobre os trabalhadores tornou-se regra: “o trabalho informal como exceção da mercadoria, o patrimonialismo como exceção da concorrência entre os capitais, a coerção estatal como exceção da acumulação privada” (Oliveira, 2003, p. 131). O “moinho satânico” voltou ao centro do capitalismo global, e logo poderemos dizer que o antigo e belo “condomínio da expansão capitalista” não é mais um artigo de luxo brasileiro ou latino-americano, mas produto que ganhou o mundo. Uma exceção neoliberal.

Referências

Cardoso, Fernando Henrique; Faletto, Enzo. Dependency and Development in Latin America. University of Calofornia Press. 1979.

Cardoso, Fernando Henrique. Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. 2a edição. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972.

Oliveira, Francisco. Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.

Polanyi, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Rio de Janeiro: Compus, 2000.

Streeck, Wolfgang. Buying Time: The Delayed Crisis of Democratic Capitalism. New York: Verso Books, 2014.

_______. How Will Capitalism End?: Essays on a Failing System. Hardcover. Illustrated, 2016.

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